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O que mudou nos direitos da personalidade na Era da Informação

okleina • 17 de janeiro de 2022

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    Comentários com ameaças de morte. Discurso de ódio veiculado em redes sociais e mensageiros. Publicação de imagens íntimas por vingança. Vazamento de dados sensíveis.  

    Quando você assiste ao jornal ou abre um portal de notícias, provavelmente se depara com denúncias destes tipos de crime. Reparou que eles têm se tornado cada vez mais frequentes?  

    Pois é, a popularização da internet no Brasil a partir dos anos 2000 não trouxe apenas facilidades para a vida das pessoas.  

    O uso inescrupuloso da rede aumentou o número de pautas do jornalismo policial, os cuidados que precisamos ter com nossas informações pessoais e, em particular, o trabalho dos profissionais do Direito.  

    Crimes que acontecem no ambiente virtual trazem uma nova jurisprudência que serve como base para ajudar as vítimas. Por isso, investigadores, advogados, magistrados e procuradores precisam ficar atentos às mudanças que a internet causou na sociedade brasileira, em especial as que impactam os direitos da personalidade.  

     

    Além das principais características desta categoria de prerrogativas, você vai encontrar aqui um resumo de novas leis e projetos legislativos que surgiram para proteger os direitos da personalidade com a massificação da internet.  

     

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    O que são os direitos da personalidade

    Os direitos da personalidade são prerrogativas irrenunciáveis e intransmissíveis de todo ser humano, que tem o poder para controlar o uso dos aspectos constitutivos de sua identidade – o que inclui, por exemplo, o corpo, o nome e a imagem.  

    Eles são indissociáveis da dignidade humana, indispensável para o desenvolvimento físico, psíquico e moral de todo indivíduo.  

    Segundo Carlos Roberto Gonçalves, no livro “Direito Civil Brasileiro” , as principais características dos direitos da personalidade são:

    • Irrenunciáveis: toda pessoa é única e tem uma peculiaridade que a distingue das demais;
    • Absolutos: os direitos da personalidade são válidos para todas as pessoas e devem ser respeitados pela sociedade;
    • Ilimitados: os direitos da personalidade não se restringem à Constituição, ao Código Penal ou ao Código Civil. Existem diversas leis, súmulas e jurisprudências que tratam sobre eles;
    • Imprescritíveis: eles não perdem validade. A exceção é para casos de indenização por dano moral;
    • Impenhoráveis: não podem ser usados em uma negociação, pois são direitos indisponíveis;
    • Não podem ser desapropriados: os direitos da personalidade não podem ser tirados de um indivíduo;
    • Vitalícios: acompanham a pessoa por toda sua vida.

    Os direitos da personalidade se consolidaram no meio jurídico com a publicação da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948. O documento foi uma resposta ao atentado à dignidade humana decorrente da Segunda Guerra Mundial.  

    Desde então, eles protegem direitos invioláveis como:

    1. Intimidade

    No âmbito jurídico, a intimidade se refere à vida privada e familiar do indivíduo, abrangendo o que ele faz e pensa. No Brasil, a proteção à intimidade é garantida pelo artigo 5º da Constituição e pelo artigo 21 do Código Civil.

    2. Honra

    A honra é um bem imaterial ligado à dignidade da pessoa humana. Ela se refere ao modo de viver em sociedade de acordo com a ética e a moral, garantindo a respeitabilidade do sujeito na sociedade.  

    O Código Penal criminaliza crimes contra honra e o Código Civil prevê indenização em casos de desrespeito a este direito.

    3. Imagem

    O sentido de “imagem” aqui está relacionado à aparência física de um indivíduo e suas diferentes manifestações, como em fotografias e vídeos publicados na internet. Quando falamos em direito à imagem, estamos nos referindo à proteção contra atos que a reproduzem ou a representam indevidamente, sem a autorização do seu detentor.  

    O direito à imagem está previsto no artigo 5º, inciso X, da Constituição. No Código Civil, ele é classificado como um direito da personalidade no artigo 20.

    4. Privacidade

    Privacidade pode ser definida como “exigibilidade de respeito ao isolamento de cada ser humano, que não pretende que certos aspectos de sua vida cheguem ao conhecimento de terceiros”.

    A garantia deste e dos demais direitos se tornou ainda mais urgente com a disseminação das redes sociais e a digitalização de serviços públicos e privados.

    O impacto da internet nos direitos da personalidade

    O meio jurídico deve sempre se adaptar às mudanças sociais, como as motivadas pela popularização da internet. Isso fez com que, inclusive, surgisse uma nova especialidade que combinasse as áreas do Direito que já existem com as novas tecnologias: o Direito Digital.

    Quem explica com mais profundidade esta relação é a professora convidada da Pós PUCPR Digital Patrícia Peck Pinheiro, no livro "Direito Digital". Para ela, o Direito deve refletir as grandes mudanças culturais e comportamentais vividas pela sociedade, bem como seus profissionais devem estar atentos às mudanças e se capacitar para lidar com elas.

    É consenso no meio jurídico que os direitos da personalidade na internet devem ser preservados. O que divide opiniões é a necessidade ou não de criar novas leis, além da capacitação de agentes públicos para lidarem com atos que ferem esses direitos no ambiente virtual.  

    Isso não significa que não haja avanços no âmbito legislativo. Na última década, sociedade civil e entes públicos se uniram para construir normas e orientações que garantissem a proteção dos direitos da personalidade na Era da Informação.  

    Dentre as iniciativas, duas se destacaram e estão em vigor: o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

    O Marco Civil da Internet

    O Marco Civil da Internet ( Lei nº 12.965/14 ) é a primeira lei do Brasil a estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres sobre o uso da internet no país. Ele começou a ser discutido em 2010 no Congresso e sancionado em 2014.

    O texto aborda a preservação dos direitos da personalidade no artigo 3º, ao adotar como princípios a proteção da privacidade e dos dados pessoais dos usuários.  

    Na seção II, a lei determina que os provedores de conexão e de aplicações de internet garantam a segurança e confiabilidade dos mecanismos de criação, uso, gestão e exclusão de dados dos usuários. Estes devem ter controle sobre suas informações e ter o poder de solicitar a alteração ou exclusão de conteúdo relacionado à sua personalidade de bancos de dados.  

    Provedores e aplicações também devem ter planos de ação para verificar e remover conteúdos que violem os direitos da personalidade. As últimas denúncias contra o Facebook sobre a omissão na exclusão de postagens com discurso de ódio são um exemplo de como o respeito à esta regra ainda deixa a desejar.

    Outro ponto do Marco Civil da Internet que protege os direitos da personalidade é a neutralidade de rede, que impede que qualquer usuário seja discriminado ao acessar a internet.  

    Em outras palavras, uma vez que a pessoa entre na rede, ela deve ter acesso a todos os endereços disponíveis, independentemente do seu provedor, da origem da sua conexão ou da extensão do seu pacote de dados.

    A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)

    A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é um conjunto de normas que define como os dados pessoais dos usuários devem ser armazenados, protegidos e usados por empresas, pessoas e órgãos públicos. A legislação é válida em todo o território nacional e garante a privacidade da população, ao impedir que bases de contatos circulem livremente entre entidades privadas.

    A LGPD garante a proteção dos direitos da personalidade ao determinar que todo o cidadão tem o poder de escolher como seus dados pessoais são tratados. Neste artigo trazemos mais detalhes sobre a lei.

    3 iniciativas para proteger os direitos da personalidade na internet

    Além do Marco Civil da Internet e da LGPD, há outras iniciativas do Poder Legislativo e da comunidade jurídica para proteger os direitos da personalidade na Era da Informação. Aqui você vai conhecer 3 exemplos.  

    1. Herança digital

    O termo “herança digital” refere-se à transferência de patrimônio digital após o falecimento do titular. Este patrimônio é constituído por bens incorpóreos, que podem ter valor econômico ou afetivo. Eles podem ser:

    • Contas em redes sociais e aplicativos;
    • Fotos
    • Vídeos
    • Áudios
    • Arquivos de texto
    • E-mails
    • E-books
    • Jogos online
    • Assinaturas digitais

    Dois projetos de lei propostos em 2017 abordaram o tema, mas foram arquivados na Câmara:

    1. PL 7.742/17: propunha acrescentar um artigo ao Marco Civil da Internet que determinasse que provedores de aplicações de internet excluíssem as contas de usuários brasileiros mortos;
    2. PL 8.562/17: propunha acrescentar um capítulo sobre herança digital ao Código Civil para assegurar o direito dos familiares de gerir o legado digital.

    Hoje tramita no Congresso o PL 1689/2021 , que recupera a discussão sobre o que fazer com as contas, publicações e perfis de pessoas mortas. O texto propõe incluir disposições no Código Civil e na Lei de Direitos Autorais (9.610/1998).

    A discussão sobre a herança digital não se restringe a esses projetos de lei e promete durar bastante tempo. 

    2. Direito ao esquecimento

    Com origem no Direito Penal, o direito ao esquecimento garante ao apenado que ele não terá que carregar o título de “infrator” depois de cumprir sua sentença perante o Estado. Isso ficou mais difícil de cumprir com a internet.  

    Lembra que falamos no começo do texto sobre matérias publicadas em sites de jornais? Elas continuam publicadas e disponíveis nos resultados de pesquisa do Google por anos, mesmo após o cumprimento da pena do autor de algum crime. Essas informações estarem públicas pode prejudicar a recolocação do indivíduo na sociedade.  

    As notícias encontradas na rede são apenas um exemplo de possível aplicação do direito ao esquecimento. E garanti-lo não é simples, por causa do conflito entre os direitos fundamentais da liberdade de expressão e do direito da personalidade.  

    Não existe consenso na comunidade jurídica sobre em que casos o direito ao esquecimento é adequado, e cada corte avalia a questão de forma diferente.  

    Na União Europeia, o direito ao esquecimento foi referendado por uma decisão de 13 de maio de 2014 (C-131/12), que determinou que a Google atendesse a solicitação de cidadãos europeus para retirar informações “irrelevantes” ou “desatualizadas” sobre si próprios dos resultados de busca.

    Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição, ao analisar o pedido de uma família que pediu reparação de danos morais, materiais e à imagem após a exibição de um episódio do programa “Linha Direta” , da TV Globo, em 2004.

    Já o Marco Civil da Internet alude indiretamente o direito ao esquecimento no artigo 7º, sem mencionar a remoção de conteúdo de sites e redes sociais.

    3. Direito à desindexação

    O direito à desindexação é uma prerrogativa mais específica do que o direito ao esquecimento. Ele se refere à exclusão de links em buscadores online, como o Google, após a solicitação de um indivíduo que já tenha cumprido sua sentença.  

    Há o mesmo conflito entre direitos fundamentais ao se falar em direito à desindexação: liberdade de expressão e direitos da personalidade.  

    Existe jurisprudência no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, mas sem uma resposta definitiva. O caso mais conhecido é a ação que Xuxa Meneghel moveu contra o Google , em 2010.

    A apresentadora solicitou que o buscador removesse termos que vinculassem o nome da artista a qualquer prática ilícita, em 2010. O STJ decidiu que a big tech não precisava atender ao pedido.

    Gostou deste artigo sobre os direitos da personalidade? Saiba mais sobre os impactos das novas tecnologias no mundo do Direito no Blog da Pós PUCPR Digital.

    Por okleina

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