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De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as mulheres estão mais expostas a riscos para a saúde mental devido à sobrecarga física e mental decorrente da jornada dupla de trabalho.
O fenômeno se expandiu no Ocidente com a massiva entrada feminina no mercado de trabalho após a Segunda Guerra Mundial, mas ele só foi descrito por cientistas na década de 1980.
A seguir, você entender os efeitos da dupla jornada de trabalho na saúde das mulheres, as mais afetadas por esse fenômeno do mundo do trabalho contemporâneo. Confira:
A dupla jornada de trabalho é um fenômeno caracterizado pela realização de tarefas domésticas, de cuidado de crianças e de familiares idosos após um dia de trabalho remunerado fora de casa. É experienciado principalmente por mulheres, devido aos papéis tradicionais de gênero aceitos pela sociedade.
O fenômeno foi descrito pela primeira vez pela socióloga Arlie Hochschild em 1989, no livro “ The Second Shift ”. Ela entrevistou e observou 50 casais em uma década marcada pela entrada massiva de mulheres e mães no mercado de trabalho dos Estados Unidos. No Brasil, a participação das mulheres aumentou entre 1960 e 1980, mas desde então está estacionada nos 60%.
Uma das conclusões da autora à época era que as mulheres trabalhavam um mês a mais que seus maridos todos os anos devido às atividades domésticas – e sem serem remuneradas por isso.
Esse fenômeno também é chamado na literatura acadêmica de “ tripla jornada de trabalho ”, que engloba as responsabilidades nos âmbitos profissional, doméstico e familiar.
A mulher precisa focar na sua formação acadêmica, ser produtiva no trabalho e atender as demandas do mercado de trabalho. Depois tem que se concentrar em administrar a casa, cozinhar e fazer faxina. Por fim, precisa se dedicar ao cuidado dos filhos e do companheiro – e, em muitos casos, também cuidar de um familiar idoso ou doente.
O cuidado envolve atividades como vestir, alimentar, higienizar, medicar, dedicar afeto e acompanhar atividades escolares. É uma tarefa invisibilizada na sociedade, a qual mulheres dedicam horas da semana sem receber salário nem reconhecimento. O laboratório Think Olga estima que as atividades de cuidado não remuneradas equivalem a US$ 10,8 trilhões.
Apesar de ter sido realizada em 2020, a pesquisa “ Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia ”, da SOF Sempreviva Organização Feminista e pela Gênero e Número, mostrou que as tarefas de cuidado já faziam parte da rotina das mais de 2,6 mil respondentes.
A percepção de 61,5% das entrevistadas era de que a responsabilidade com a casa e a família dificultava o trabalho remunerado. Ainda, 42% das participantes da pesquisa disseram não ter nenhum apoio nas atividades de cuidado fora do núcleo familiar. Dentro desse núcleo, a ajuda vem de outras mulheres, como avós, tias e irmãs.
Para Arlie Hochschild , autora de “The Second Shift”, a causa da dupla jornada de trabalho está na falta de adaptação da sociedade, das organizações e dos governos à entrada massiva de mulheres no mercado.
Essa visão é corroborada pelo relatório “ Iniciativa Mulheres no Trabalho ” da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que afirma:
“O emprego remunerado foi então simplesmente adicionado à «lista de tarefas» das mulheres. Não foi questionado o tradicional ‘sistema de gênero’ no qual as mulheres eram as ‘cuidadoras’ e os homens ‘o sustento da família’. O tempo das mulheres era visto como ‘elástico’, ao contrário do tempo dos homens, e menos valioso do que o deles.”.
Assim, a mulher passou a assumir mais funções, porém as responsabilidades não foram divididas dentro do lar. Quando se tornam mães, correm o risco de serem demitidas após a licença-maternidade. O Estado não considera os anos dedicados ao cuidado da família e do lar como tempo de trabalho produtivo, ou seja, não contam para a aposentadoria.
Os papéis de gênero também contribuem para esse cenário. Existem atividades que são consideradas femininas e outras, masculinas. Tarefas relacionadas ao cuidado seriam exclusivas para as mulheres, enquanto as tidas como racionais deveriam ser exercidas por homens.
Esses estereótipos levam as mulheres a assumirem as funções de casa, o que acaba limitando seu desenvolvimento profissional e financeiro.
Hoje, no Brasil, elas trabalham 7,5 horas a mais, em média, do que os homens por semana por causa da dupla jornada. Os dados são do estudo “ Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça ”, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com base nas séries históricas de 1995 a 2015 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.
O estudo também concluiu que a proporção de atividades não remuneradas entre homens e mulheres se manteve inalterada nos últimos 20 anos. Mais de 90% das mulheres declararam realizar tarefas domésticas, enquanto apenas metade dos homens entrevistados cuida da casa.
A dupla jornada de trabalho faz com que a mulher perca qualidade de vida , ao sacrificar horas de lazer, de autocuidado e de qualificação profissional. Isso pode levar a quadros de estresse, ansiedade, medo, tensão e insegurança, que podem evoluir para transtornos mentais, como a depressão.
Estima-se que um terço das brasileiras que lidam com a sobrecarga doméstica enfrentem transtornos mentais, segundo o relatório “ Alerta Amarelo: um panorama da saúde mental do trabalhador brasileiro e perspectivas de prevenção e enfrentamento ”, de 2021.
>>> Leia também: O que você precisa saber sobre saúde mental na atenção básica
Não existe uma solução simples para minimizar os efeitos da dupla jornada de trabalho para as mulheres, por se tratar de um problema estrutural. Mas existem ações coletivas que podem diminuir a sobrecarga doméstica e mental no médio e longo prazo. Elas devem ser tomadas por governos, empresas e organizações profissionais.
A OIT propõe o diálogo social para progredir a igualdade de gênero na sociedade e, assim, promover a adaptação do mundo do trabalho à realidade das profissionais que precisam se dedicar às atividades remuneradas, às domésticas e às familiares.
O diálogo social é um tipo de negociação, consulta e intercâmbio de informações entre representantes do governo, de empresas e de trabalhadores. É fundamental que haja mulheres nesses três grupos e que lhes seja permitido ter voz ativa em todo o processo de debate e tomada de decisão.
A OIT lista no mesmo documento recomendações para governos, empresas e grupos profissionais promoverem a igualdade de gênero por meio do diálogo social:
Mas e de uma perspectiva individual? Há algo que a mulher possa fazer para aliviar os efeitos da dupla jornada de trabalho?
A orientação de psicólogas profissionais é, primeiro, fazer uma reflexão para fortalecer a crença de que a mulher tem o direito de ter um tempo para si, de cuidar da própria saúde e da autoestima.
O indicado é evitar comparações com outras pessoas e entender que não se deve ter culpa por não dar conta de tudo, pois ela não é a única responsável pelas tarefas domésticas nem pelo cuidado de familiares.
Outra estratégia importante é a negociação dentro de casa. Mesmo que seja difícil, é preciso ter uma conversa franca com o parceiro sobre a divisão das atividades do lar. De forma mais ampla, educá-lo sobre o que é a carga mental e como ela afeta a saúde da mulher e o relacionamento. O G1 preparou um guia interessante para usar nesse caso, recomendamos a leitura.
A negociação também deve envolver os filhos , caso a mulher já seja mãe. Guardar os brinquedos é uma tarefa doméstica que pode ser feita por crianças a partir dos dois anos de idade. A partir dos 4 anos de idade, a criança já consegue arrumar a própria cama, tirar o lixo e separar as roupas para lavar. Atividades mais complexas como preparar uma refeição, lavar a louça e aspirar a casa já podem ser realizadas por meninos e meninas de 8 anos de idade.
💡Quer se aprofundar na discussão sobre a dupla jornada de trabalho enfrentada pelas mulheres? Confira as fontes consultadas para este artigo do Blog da Pós PUCPR Digital :
Por okleina
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