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Você acaba de chegar ao consultório para atender o primeiro paciente do dia. A princípio, a queixa é simples: índices glicêmicos um pouco acima do normal. Mas, assim que se inicia o atendimento, a pessoa à sua frente começa a desabafar. Ela explica que, por causa da pandemia, tem tido problemas para dormir e experimentado quadros de ansiedade. Para aliviar a pressão, ela passou a comer mais e acabou ganhando peso. Você pergunta se ela mantém uma rotina de atividades físicas e a pessoa responde que não, pois há algum tempo tem medo de sair de casa.
Como agir nesta situação? Queixas relacionadas à saúde mental são frequentes na assistência primária, por isso médicos, enfermeiros e demais profissionais da saúde devem estar preparados para lidar com estas situações – e assim ajudar os pacientes de uma forma realmente significativa.
A separação entre saúde física e mental já se mostrou equivocada. Estima-se que os transtornos mentais são responsáveis por 30% das doenças não fatais e 10% de todas as doenças do mundo, segundo relatório de 2016 do Banco Mundial. Eles impactam diretamente os sistemas de saúde, além de elevar as taxas de incapacidade e mortalidade na população. A OMS, inclusive, já incluiu os cuidados com os problemas de saúde mental entre os desafios do milênio.
Encaminhar a pessoa para um especialista não é mais suficiente. É preciso promover ações de saúde mental na Atenção Básica, considerada a “porta de entrada” dos usuários de sistemas de saúde. Isso vale especialmente para o SUS, que atualmente atende 70% dos brasileiros, de acordo com levantamento de 2020 do IBGE.
Neste artigo, você entenderá como funciona a política de saúde mental na Atenção Básica no Brasil. Também encontrará uma lista das ações terapêuticas que devem ser seguidas pelos profissionais da saúde ao se depararem com queixas de pacientes, de acordo com o Ministério da Saúde.
O conteúdo a seguir também é voltado para assistentes sociais e educadores, que também auxiliam pessoas que sofrem com transtornos mentais no dia a dia.
Também chamada de atenção primária, a atenção básica em saúde abrange o atendimento inicial dos usuários dos sistemas de saúde. Ela organiza o fluxo dos serviços médicos dentro do sistema, dos mais simples aos mais complexos. É nesta fase que o indivíduo recebe orientações sobre prevenção e tratamento, com o objetivo de reduzir riscos e proteger a saúde.
No SUS, a atenção primária se concentra nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), onde são realizadas consultas de rotina, exames e programas de vacinação. As UBSs devem garantir uma atenção integral à saúde do paciente, que deve receber assistência de acordo com seu contexto familiar.
A atenção básica no Brasil também prevê programas de saúde bucal, atendimento domiciliar e assistência a pessoas em situação de rua. Suas normas, princípios e diretrizes foram estabelecidos em 2006, com a aprovação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB). Pela lei, a assistência primária à saúde deve seguir estes princípios:
Já as diretrizes que norteiam a atenção básica no Brasil são:
De forma geral, o sistema de saúde brasileiro se organiza em três níveis de atenção:
Na atenção secundária, os usuários do sistema de saúde encontram serviços especializados em hospitais e ambulatórios, como cardiologia, neurologia e ortopedia. É nestes espaços também que são realizados exames mais avançados, como endoscopias e ecocardiogramas. A atenção terciária envolve assistência de alta complexidade, geralmente oferecida em hospitais de grande porte.
Os cuidados com a saúde mental devem ser oferecidos à população em todos os níveis de atenção.
A Política Nacional de Saúde Mental foi criada em abril de 2001, com a sanção da lei nº 10.216. Ela reúne estratégias e diretrizes de assistência às pessoas que sofrem com transtornos mentais e com quadros de adição. Entre elas estão o acolhimento, alívio do sofrimento e planejamento de intervenções medicamentosas e terapêuticas.
Os usuários do SUS encontram apoio nos serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), composta por:
A Política Nacional de Saúde Mental é fruto da Reforma Psiquiátrica, processo que se iniciou na década de 1970 no país.
A Reforma Psiquiátrica defendia o fim dos manicômios e a desinstitucionalização dos pacientes com transtornos mentais, após uma série de denúncias de violações de direitos humanos em asilos de todo o país.
Ao longo da década de 1990, foram aprovadas leis no âmbito estadual que substituíam os hospitais psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental. As primeiras normas federais vieram logo em seguida, impulsionadas pela II Conferência Nacional de Saúde Mental e pela fundação dos primeiros CAPS e NAPS (Núcleos de Atenção Psicossocial) na cidade de São Paulo.
O primeiro Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Brasil foi aberto em 1987, na cidade de São Paulo. Desde então, estes centros são pontos de apoio centrais da RAPS, ao atender pessoas com sofrimento ou transtornos mentais. Hoje existem mais de 2,3 mil CAPS espalhados pelo Brasil, que contam com o apoio de mais de 30 mil profissionais. Entre eles estão:
Todo município com pelo menos 15 mil habitantes conta com um CAPs. Os centros recebem pessoas de todas as idades, com transtornos mentais graves e persistentes. Eles também oferecem acolhimento noturno e observação, com funcionamento 24h, em municípios com mais de 150 mil habitantes.
Exatamente por ser a porta de entrada do sistema, a assistência primária envolve o cuidado de transtornos mentais. A promoção da saúde mental na atenção básica se dá pela proximidade entre o paciente e o profissional de saúde, que conhece as características da comunidade e do território em que está a UBS ou hospital onde trabalha.
Durante o atendimento, é comum a pessoa em sofrimento emocional acabar desabafando. Por isso, a promoção da saúde mental na Atenção Básica é tão importante: é neste momento que o profissional da saúde deve atuar como um interlocutor entre os sintomas, conflitos e sofrimento emocional. Esta conversa pode significar para o paciente uma compreensão mais profunda sobre seu estado mental e a somatização.
O Ministério da Saúde orienta que ações de saúde mental na Atenção Básica podem e devem ser realizadas por todos os profissionais da saúde. Estas ações são mais simples do que parecem e fazem toda a diferença em uma assistência humanizada e significativa. Confira abaixo:
Estas ações estão vinculadas ao processo de acolhimento do paciente, que prioriza o atendimento humanizado em vez do tecnocrático. Em resumo, o profissional de saúde deve escutar suas queixas e reconhecer o protagonismo do indivíduo na assistência de saúde.
Ao ouvir as queixas dos pacientes, é preciso fazer com que ele se sinta acolhido, ao mesmo tempo em que o profissional de saúde ou assistente social avalia as seguintes situações:
Caso o assistente social ou profissional de saúde identifique algum transtorno mental grave, o paciente deve ser encaminhado a um atendimento mais especializado, realizado em parceria entre o psiquiatra e o psicólogo. Também é possível buscar apoio com a equipe do CAPS da região.
O matriciamento na saúde mental é um processo de promoção da saúde construído de forma compartilhada por duas ou mais equipes, que criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica. As equipes são compostas por representantes dos CAPS ou dos NASF e por demais profissionais da saúde da Atenção Básica, que se reúnem para discutir casos
Repare que o matriciamento não se resume ao encaminhamento ao especialista, ao atendimento individual do paciente por um psicólogo ou à intervenção psicossocial realizado apenas por um profissional de saúde mental. É um trabalho em conjunto para realizar uma assistência personalizada, que considere o contexto e o histórico do indivíduo.
Além de contar com o apoio dos CAPS, colocar em prática as ações de saúde mental na atenção básica no seu dia a dia já irão melhorar os seus atendimentos. Mas para ajudar as pessoas de uma forma realmente significativa é preciso ir além e buscar conhecimento. Cursos com profissionais da área são o melhor caminho para conhecer as estratégias mais eficientes de promoção de saúde mental.
Por okleina
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